Obrigado Professor Jorge Olímpio Bento!
Notas soltas e atrasadas
A BOLA, 17.04.2008
A BOLA, 17.04.2008
1. Quem se ausenta para o exterior e regressa uma semana depois tem uma grata surpresa à sua espera! O país mudou e está uma lindeza resplandecente; o ar é fresco e a paisagem limpa; as flores atapetam o chão e margeiam os caminhos; o chilreio das aves mistura-se com o canto das crianças e um coro de harmonia e melodia delicia-nos os ouvidos; respira-se saúde e confiança; a pobreza acabou; a tristeza, o luto, o drama e o pessimismo deram lugar ao arco-íris da euforia nos sentimentos e gestos, no coração e vestuário; nos olhos acende-se o brilho do contentamento geral; o sorriso ilumina o rosto das pessoas de todas as condições e idades; os idosos viraram jovens; nos telejornais só se dizem verdades atraentes como um íman; não há promessas por cumprir e Pinóquio tem nariz normal; estrelejam foguetes; enfim, a hora é de festa, acção de graças e procissão. Que maravilha e encanto, que êxtase e felicidade, que privilégio estar neste tempo e lugar!
Uma autêntica metamorfose está a conferir outro sentido e feição à vida privada e individual, à pública e colectiva. Descobriu-se uma solução mágica para os males e mazelas do país, em todos os sectores. Agora a melhoria de todas as coisas já não depende do esforço, da mobilização, empenhamento, cumplicidade e solidariedade dos humanos; atinge-se automaticamente, de maneira célere e eficaz, através de leis e decretos. Basta ‘reformar’, ou seja, decretar e legislar, por grosso e atacado, a varejo e a retalho, para que tudo mude e melhore num ápice!
Os jovens procuravam nos adereços exotéricos e superficiais aquilo que é essencial e custa trabalho, querer, perseverança e suor?! O quadro está completamente alterado; foi suficiente um decreto-lei para eliminar esses adornos e suprir, de pronto, as carências que eles indiciavam.
Havia muito matrimónio desfeito e era desejável que os noivos dessem um nó bem sólido e fossem felizes para sempre?! A mudança foi radical; instituíram-se normas de fiscalização do casamento, para controlar donde vinham as ofertas e impedir que o diabo ocultasse no meio delas o traiçoeiro e letal veneno da infelicidade.
Era chocante o clima de desrespeito, atropelos, indisciplina, violência e impunidade que grassava nas escolas?! Isso foi totalmente cortado pela raiz com uma profusão de estatutos, portarias e regulamentos.
Era de asfixiante garrote o orçamento das universidades públicas?! Isso já lá vai; agora, por impulso legal, os benfazejos mecenas, curadores e doadores privados fazem fila na porta; e o dinheiro escorre a rodos, como numa mina de ouro a céu aberto.
Fiquemos por aqui. Bondam estes exemplos para vergar os incrédulos mais recalcitrantes! Doravante a legislação é o elixir da perfeição.
2. A Selecção de Futebol apraza com a Grécia um jogo de preparação para o Europeu que está à porta. Põem-se atletas em campo, como se fossem um bando arrebanhado ao virar da esquina; e espera-se que actuem como uma equipa e que, por cima, ainda ganhem!
Alguém anda a brincar e a caçoar connosco de maneira leviana. Uma selecção é assunto muito sério, porque é símbolo de um Povo, Nação e País. A graçola e a mangação foram longe de mais; não podem repetir-se. Na previsão do resultado há um bem inestimável que deve, a todo o custo, estar salvaguardado de antemão: a dignidade. Esta não pode conhecer a derrota; é uma vitória que é forçoso alcançar sempre.
3. A liberdade tem, em todos os tempos e lugares, um preço muito alto; é uma ‘coisa’ sumamente cara e preciosa. E difícil, porquanto desafia a lucidez, a razão e a vontade e implica escolhas, tantas e tantas vezes bem duras. Então hoje não se fala! Por isso mesmo ela é valiosa; é da ordem elevada e qualifica superiormente quem a defende e faz dela uso adequado. Ademais a função faz o órgão; a existência dita a essência. Logo não há pessoas livres, se não cultivarem activamente a liberdade e se aderirem ao oportunismo, contornando os perigos que ela acarreta. Ser livre é seguir um clarão que rompe a escuridão dentro e fora de nós; é arriscado, mas tem um gosto sublime e gratificante, impossível de perceber e saborear por quem se afaz à escravidão, à alienação e manipulação.
Jorge Olímpio Bento
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